Ler História 44 / 2003


Dossier: Misericórdias d’Aquém e d’Além

Laurinda Abreu
Misericórdias: patrimonialização e controle régio (séculos XVI e XVII)

Carla Alferes Pinto
A Misericórdia de Baçaim (1540-1739)

Isabel dos Guimarães Sá
Ganhos da terra e ganhos do mar: caridade e comércio na Misericórdia de Macau (séculos XVII e XVIII)

Estudos

Maria Helena Trindade Lopes
O universo religioso no Antigo Egipto: ensaio de sistematização

Leonor Freire Costa
Informação e incerteza: gerindo riscos do negócio colonial

João Carlos Graça
“Terceiras vias”, “Escolas intermédias” e “Escola portuguesa” no pensamento económico português da segunda metade de Oitocentos

João Leal
“Estrangeiros” em Portugal: a antropologia portuguesa nos anos 1960

Valdo Arienzo
No extremo ocidental: privilégios, empresas e investimentos sicilianos no Algarve

Documentos em Estudo

Maria Marta Lobo de Araújo
Dotar para casar: os dotes e as órfãs do padre Francisco Correia da Cunha (1750-1890)

 

Resumos

Ler História 44 / 2003

Laurinda Abreu
Misericódias, patrimonialização e controle régio (séculos XVI e XVII)

Portadoras de uma concepção de piedade que retomava o ideal evangélico do “pobre Cristo”, as Misericórdias surgem, sob a égide do poder real, como uma síntese entre o mundo medieval que se despedia e as exigências assistenciais da emergente sociedade moderna. Isto é, exaltando a doutrina da pobreza e o dever da caridade e centralizando e, ao mesmo tempo, centralizando competências no campo da assistência de acordo com as novas políticas sociais. Estas características manter-se-iam sem alterações importantes até meados do século XVI, encetando-se então uma nova fase, cujas características fundamentais foram a patrimonialização, o domínio dos hospitais e a progressiva intervenção régia. São as diferentes etapas deste percurso que a autora procura apresentar neste estudo, dando particular destaque ao papel que a Igreja e o Estado desempenharam neste processo.

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Carla Alferes Pinto
A Misericórdia de Baçaim (1540-1729)

Este artigo traça o percurso da Misericórdia de Baçaim, instituída no ano de 1540. A Misericórdia aparece como uma das instituições mais precoces em Baçaim, identificada na esparsa e rara documentação, mas visível nas inúmeras plantas que se conhecem da cidade. Através destes dados documentais, reconstituiremos a (possível) história da instituição, da sua importante igreja e do seu hospital, bem como a sua localização em termos urbanísticos. Reside, aliás, na localização e identificação da igreja da Misericórdia de Baçaim a grande novidade deste artigo. Partindo deste dado, tentaremos fazer a descrição da fachada do edifício a partir de tipologias comuns para o território português e o do antigo Estado da Índia.

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Isabel dos Guimarães Sá
Ganhos da terra e ganhos do mar: caridade e comércio na Misericórdia de Macau (séculos XVII-XVIII)

Esta primeira abordagem às actividades da misericórdia de Macau nos séculos XVII e XVIII considera como dados marcantes a natureza mercantil da economia do território, e a composição da população ligada à presença portuguesa na península. A importância do mercado de crédito ficou patente na análise da contabilidade da instituição, que demonstrou a sua natureza pré-bancária. Ainda, tal como em outros contextos coloniais, a caridade tinha por objecto os indivíduos integrados na sociedade colonial do ponto de vista religioso ou económico. A população portuguesa e cristã de Macau constituía uma minoria no contexto duma crescente imigração chinesa, e fazia-se sentir a presença avassaladora de viúvas e órfãs entre os grupos coloniais. Este trabalho sugere que o envolvimento no crédito fazia com que a misericórdia investisse numa caridade conspícua, efectuada nas grandes datas do calendário litúrgico, que beneficiava milhares de pessoas por cada evento, sobretudo mulheres. A caridade de carácter regular e duradouro, a expostos, leprosos, doentes e presos, em contrapartida, cifrava-se em cerca de 100 a 120 pessoas por mês.

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Maria Helena Trindade Lopes
O universo religioso no Antigo Egipto: ensaio de sistematização

A religião é um elemento imprescindível para a compreensão da sociedade do Antigo Egipto, determinando as suas formas de ser, estar e sentir. É a religião que está na base das suas concepções de Estado e poder, das suas atitudes práticas, sentimentos, representações artísticas e intelectuais. Neste estudo, a autora apresenta uma síntese dos principais elementos e conteúdos religiosos do Antigo Egipto, transmitindo a imagem de um universo onde os homens, os deuses e o próprio Cosmos (sagrado) desenvolvem de forma harmoniosa uma linguagem rica e singular.

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Leonor Freire Costa
Informação e incerteza: gerindo os riscos do negócio colonial

Mal dominada pela tecnologia das comunicações, a distância era um dos factores de risco nas decisões dos agentes sociais. A guerra entre potências agravava as circunstâncias, determinando, tanto quanto o enquadramento institucional e tecnológico das rotas, custos de transacção elevados, em especial nos espaços do império colonial. Tomando o tráfico luso-brasileiro do século XVII como caso de análise, este estudo coloca o risco do negócio no centro dos problemas. Interroga as modalidades de protecção, além do seguro, interpretando a presença do tabelionado na vida económica, bem como outras instituições e organizações que regulam e serviam a actividade mercantil.

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João Carlos Graça
“Terceiras vias”, “escolas intermédias” e “Escola portuguesa” no pensamento económico português da segunda metade de Oitocentos

A designação das posições doutrinárias da economia política universitária portuguesa da segunda metade de Oitocentos com recurso à fórmula de “terceiras vias” constitui no essencial um equívoco.

Se esta última expressão for entendida no sentido de “moderantismo” doutrinário, é falsa no respeitante a Adrião Forjaz de Sampaio (anos 1850-60), que foi um autor conservador. É-o também fundamentalmente quanto a José Frederico Laranjo (anos 1880-90), o qual foi um autor socialista.

Se for interpretada como um projecto de construção dum quadro teórico e/ou doutrinário exclusivamente português, uma pretensa “escola portuguesa”, é igualmente falsa quanto a qualquer dos autores referidos.

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João Leal
“Estrangeiros” em Portugal: a antropologia das comunidades rurais portuguesas nos anos 1960

Os anos 1960 foram marcados pela emergência dos primeiros olhares antropologicamente modernos sobre o mundo rural português. Associados a antropólogos como Joyce Riegelhaupt, José Cutileiro e Colette Callier-Boisvert, esses olhares introduziram em Portugal os principais paradigmas da antropologia internacional orientada para o estudo das sociedades camponesas, subverteram a articulação até então predominante na antropologia portuguesa entre cultura popular e identidade nacional, e contribuíram poderosamente para a renovação das escalas de análise e imagens do Portugal rural.

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Valdo d’Arienzo
No extremo ocidental: privilégios, empreendimentos e investimentos sicilianos no Algarve

Na primeira metade do século XVI alguns armadores de Messina, reunidos numa sociedade comandita, estabelecem a sua actividade em Lagos, no Algarve, conhecida por ser um importante centro de produção e transformação do atum. Ali deparam-se com as más administrações alfandegárias, mas obtêm do monarca D. Manuel vários privilégios. Este artigo apresenta de forma breve a expansão italiana no Mediterrâneo até às costas de Portugal, dando a conhecer novas fontes que permitem situar esta presença desde os inícios do século XIV até ao século XVII. Para além de novas hipóteses interpretativas, este novo quadro permite também levantar questões de grande interesse.

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