Ler História 46 / 2004


Dossier: Discursar a Nação

Maurizio Ridolfi
Festas da Nação. Religiões da pátria e rituais políticos na Europa liberal do longo século XIX

Manuel Deniz Silva
O Projecto Nacionalista do Renascimento Musical (1923-1946): reaportuguesar a música portuguesa

José Neves
A Imaginação da Nação na Historiografia Comunista Portuguesa

Andrea Klimt
Trajectórias Divergentes: os portugueses em França e na Alemanha

Documentos em Estudo

Carlos Maurício
Crescimento – Pobreza – Desigualdade. Assimetrias mundiais entre Estados e Regiões

Estudos

Jordi Canal
A contra-revolução em movimento: carlismo e violência política em Espanha (1876-1939)

Maria Ana Bernardo
Elites, Acção Pública e Infra-estruturas: a construção da moderna rede de saneamento em Évora (1890-1933)

Frédéric Vidal
As Relações de Compadrio na Cidade: tradição ou rede?

 

Estudos Breves

Alberto Gil Novales
O ludismo inglês visto por um periódico espanhol de 1811/12

 

Resumos

Ler História 46 / 2004

Maurizio Ridolfi
As Festas da nação. Religiões da pátria e rituais políticos na Europa liberal do “longo século XIX”

Na Europa, ao longo do século XIX, os conflitos simbólicos que acompanharam a construção de uma “religião da pátria” inscreveram-se num cenário público de uso político dos rituais do passado, com dois objectivos distintos: a representação das novas hierarquias sociais burguesas e a legitimação das instituições liberais em nome de um novo sentimento nacional. Entre a Europa e as Américas, na definição de um calendário de festas civis e em estreita correlação com os tradicionais rituais religiosos, definiram-se dois modelos principais: o francês e o norte-americano, competitivos mas igualmente ricos de influências recíprocas. Focando diversas realidades nacionais, o autor relata o desenvolver deste processo, mostrando como, em geral, a adaptação dos cerimoniais dinásticos às festas civis dos Estados nacionais implicou uma redefinição das liturgias políticas em vários planos, com uma transição complexa, ou mesmo uma contaminação, entre vários modelos de festa política até agora patenteados.

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Manuel Deniz da Silva
O projecto nacionalista do Renascimento Musical (1923-1946): “reaportuguesar” a música portuguesa

Ao contrário de outras correntes nacionalistas, que defendem a solução folcorística para a criação de uma “música nacional”, o Renascimento Musical, movimento de influência monárquica e neotomista, procurava “reaportuguesar” a música portuguesa através da salvaguarda do património musical antigo, contribuindo, desta forma, para a legitimação do discurso de uma musicologia histórica emergente. O Estado Novo, que apenas atribuía à música erudita uma função “ornamental”, não reconheceu a este projecto nacionalista militante o lugar que ele reivindicava, mas a integração dos animadores do Renascimento Musical nos aparelhos culturais e educativos da ditadura foi fundamental para o desenvolvimento de um modelo aristocrático e elitista de comunicação musical.

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José Neves
A imaginação da nação na historiografia comunista portuguesa

Este artigo analisa a história de Portugal imaginada pela historiografia marxista próxima do Partido Comunista Português. Partindo da análise da obra dos principais historiadores comunistas portugueses, apresentam-se as ideias centrais desta narrativa ao longo dos principais períodos e temas históricos (Descobrimentos, Inquisição, emergência do capitalismo). A análise coloca a questão no seio da questão geral da relação entre comunismo e nacionalismo em Portugal.

Salientam-se as continuidades e rupturas face a outras tradições historiográficas eà própria filosofia geral do marxismo-leninismo. O artigo é um primeiro ensaio sobre as imagens centrais da narrativa histórica e propõe algumas conclusões sobre os conceitos de tempo, sujeito, nação e classe na ideologia marxista portuguesa.

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Andrea Klimt
Trajectórias divergentes: os portugueses em França e na Alemanha

Em discussões comparativas de pertença nacional, a Alemanha e a França são frequentemente apresentadas como representando extremos opostos do espectro. O sistema alemão é descrito como o tipo de “nação étnica” em que a filiação é definida de acordo com princípios de descendência e os recém-chegados tendem a permanecer perpetuamente como estranhos. A França, por outro lado, é retratada como o exemplo da “nação cívica”, em que a filiação é baseada na partilha de lealdade política e de conhecimentos culturais adquiridos e os recém chegados são legal e culturalmente incorporados na nação. A partir da comunidade portuguesa imigrante na França e na Alemanha, o autor aprofunda a comparação entre o enquadramento de pertença nacional e a construção da noção de país nestes dois contextos bastante diferenciados.

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Jordi Canal
A contra-revolução em movimento: carlismo e violência política em Espanha (1876-1939)

Existe um preconceito segundo o qual reacção e modernidade são incompatíveis. Contudo, uma leitura atenta da história contemporânea da Europa desmente esta ideia. Os movimentos contra-revolucionários constituem um bom exemplo. Evoluem e modificam-se como todos os outros grupos e culturas políticas.

Neste artigo, o autor aborda esta questão a partir do estudo do carlismo espanhol, um caso de todo excepcional devido à sua longa sobrevivência em relação a outros movimentos contra-revolucionários do século XIX. Analisa em especial a evolução do movimento carlista no terreno da violência política. Entre o final da primeira Guerra Carlista, em 1876, e o fim da Guerra Civil de Espanha, em 1939, o autor revela a assinalável capacidade de adaptação e de modernização demonstrada por este movimento reaccionário espanhol.

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Maria Ana Bernardo
Elites, acção pública e infra-estruturas: a construção da moderna rede de saneamento em Évora (1890 – 1933)

No início do século XX, as vereações eborenses concluíam que a construção de uma de rede de águas e esgotos, baseada nos mais recentes preceitos da engenharia, solucionava os problemas do saneamento urbano e posicionava Évora entre as principais cidades do país. Apesar destas vantagens, passaram mais de vinte e cinco anos até à conclusão dos trabalhos. O projecto arrancou ainda durante a Monarquia, atravessou a I República e foi inaugurado no início do Estado Novo.

A partir deste contexto de mudança político-institucional, a autora procede ao estudo do desempenho das elites municipais na promoção das modernas infra-estruturas. Identificam-se os protagonistas do processo, as respectivas deliberações e as dificuldades que se perfilaram, bem como as relações entre os interesses públicos e os privados. Houve também o propósito de avaliar a experiência eborense tendo como referência o debate sobre as modalidades de intervenção dos poderes públicos na organização das cidades, no período contemporâneo.

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Frédéric Vidal
As relações de compadrio na cidade: tradição ou rede?

Será que tem algum interesse o estudo dos laços de compadrio num contexto urbano moderno? O compadrio foi até agora descrito como típico das sociedades rurais tradicionais de algumas regiões do Sul da Europa como, por exemplo, o Alentejo. Na cidade existe de facto um processo de transformação das formas de apadrinhamento e de compadrio. Conseguimos evidenciar a dimensão informal do compadrio em Alcântara no início do século XX. Tais laços sociais testemunham mais a complexidade das redes de relações interindividuais do que a permanência de tradições ou de rituais antiquados. Mas do ponto de vista do estudo das formas de estruturação dos meios urbanos, as relações de compadrio conservam uma grande originalidade e um importante valor cognitivo. São relações orientadas que ilustram o modo de partilha dos valores e dos interesses num meio social específico.

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Alberto Gil Novales
O ludismo inglês visto por um periódico espanhol de 1811-1812

No período da Guerra da Independência, ou Guerra Peninsular, de uma forma geral os jornal espanhóis afrancesados vêem-se sobretudo obrigados a defender o sistema em que estão integrados. Esforçam-se por mostrar o esplendor da França e também por atacar os seus inimigos. Juntamente com os guerrilheiros, o grande inimigo da Espanha é a Grã-Bretanha. Um periódico afrancesado, a Gazeta de Valencia, noticiará de forma desenvolvida as manifestações ludistas ocorridas na Grã-Bretanha entre o final de 1811 e o início de 1812.

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