Ler História 55 / Outubro de 2008


Dossier: História Conceptual no Mundo Luso-Brasileiro. 1750-1850

Javier Fernandéz Sebastián
Apresentação – Notas sobre história conceptual e sua aplicação ao espaço ibero-americano

Fátima Sá e Melo Ferreira e João Feres Júnior
Introdução

João Feres Júnior e Maria Elisa Mäder
América - Americanos

Beatriz C. Cruz Santos e Bernardo Ferreira
Cidadão – Vizinho

Lúcia Bastos Pereira das Neves e Guilherme Pereira das Neves
Constituição

Ivo Coser
Federalismo

João Paulo G. Pimenta e Valdei Lopes de Araujo
História

Nuno Gonçalo Monteiro
Liberal – Liberalismo

Sérgio Campos Matos
Nação

Ana Cristina Araújo
Opinião Pública

Fátima Sá e Melo Ferreira
Povo – Povos

Rui Ramos
República - Republicanos

Estudos Breves

Susana Chalante
«Demolimania», Real associação de Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses e «cruzada de honra e brio» (1866 – 1880)

Espelho de Clio

.
Jill Dias (1944 – 2008)

Resumos

Ler História 55 / Outubro de 2008

João Feres Júnior e Maria Elisa Mäder
América – americanos

O artigo analisa o conceito de –américa no Brasil entre 1750 e 1850, que variou ao longo de alguns significados básicos, entre eles, o geográfico que iguala a América ao Novo Mundo; o político, designando-o como as possessões coloniais das metrópoles europeias; a América como fonte de abundância e promessa de um futuro próspero; como espaço de liberdade, de novas formas políticas e sociais, associadas aos conceitos de república e à democracia, foi usada muitas vezes negativamente por aqueles que defendiam a solução monárquica tanto na crise que antecede a independência, quanto na perspectiva do projecto centralizador Que dominou a política brasileira no império após o período regencial.

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Beatriz Catão Cruz Santos e Bernardo Ferreira
Cidadão – vizinho

O artigo aborda algumas das transfoermações sofridas pelo conceito de cidadão entre meados do século XVIII e as décadas iniciais do século XIX. Ao longo desse período, uma categoria que estava originalmente associada às concepções corporativas da ordem política veio a ser elaborada em função de prenissas individualistas e de fundo igualitário. Nesse contexto, procura-se explorar os problemas e as tensões surgidas no uso do moderno conceito de cidadão numa sociedade marcada pela condição colonial e pela preservação de estruturas sociais esclavagistas.

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Lúcia Maria Bastos P. Neves e Guilherme pereira das Neves
Constituição

O objectivo do texto é explorar a trajectória do conceito de Constituição junto às elites políticas e intelectuais do mundo luso-brasileiro no período entre 1750 e 1850. Embora seja possível desde a primeira data encontrar o uso do vocábulo nesse espaço, o seu sentido moderno apenas surgiu após o movimento constitucionalista de 1820. Ainda assim a ideia de um «constitucionalismo antigo» não foi abandonada. Compreender, nas décadas seguintes, o conceito de Constituição no Brasil implica, então, identificar as tensões subterrâneas entre esses dois significados, que apareciam escamoteados, muitas vezes, sob os embates manifestados na superfície pelas facções políticas liberais diante das conservadoras.

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Ivo Coser
Federalismo

Procura-se aqui compreender a formação do conceito de federalismo e de interesse provincial no debate polític brasileiro do século XIX. Este foi formulado inicialmente como um sinónimo de confederação, como revela o debate político no constituinte de 1823. Durante os anos 1830, as inovações realizadas no arranjo político norte-americano após a convenção de 1787 foram recebidas pela elite política brasileira. O pensamento federalista articulado em torno do Código do Processo entendia que a descentralização deve permitir que o cidadão situado no município participe da montagem do aparelho judiciário e defendia que os funcionários fossem retirados da própria província. As revoltas regenciais levaram a uma reformulação do pensamento federalista, dando agora precedência ao interesse provincial. A descentralização deveria ser conduzida pelo legislativo provincial em detrimento dos municípios e o pacto federativo deveria ser entendido como um espaço onde os diversos interesses das províncias impulsionam o desenvolvimento nacional e controlam o poder político.

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João Paulo G. Pimenta e Valdei Lopes de Araújo
História

Entre 1750 e 1850, aproximadamente, o conceito de história conheceu, na América portuguesa e no Brasil, uma dinâmica indicadora de transformações cuja magnitude e profundidade só podem ser devidamente apreciadas considerando-se todo o período. Tais transformações relacionam-se directamente com o aprofundamento das dificuldades sentidas pelo Império português no século XVIII e com a criação das condições históricas que possibilitaram, nas primeiras décadas do século seguinte, a ruptura entre Portugal e seus domínios americanos e a formação, nestes, de uma unidade política nacional e soberana, já não portuguesa mas sim brasileira. Para o Estado e para a Nação brasileiros, o conceito de história e suas mutações revelam-se fundamentais.

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Nuno Gonçalo Monteiro
Liberal – liberalismo

A história das palavras liberal e liberalismo e dos usos que delas se fizeram no contexto português partilha, como é expectável, muitos dos traços detectáveis em outros cenários. Se se procurarem as especificidades, talvez as mesmas se possam encontrar, em primeiro lugar, na maior +persistência do antigo sentido de liberalidade, no facto de não ter sido o termo (liberal) que serviu de principal elemento de identificação aos que se opunham aos realistas/absolutistas e, por fim, ao facto de só tardia e parcialmente, embora de forma consistente, as referidas palavras se terem associado a uma doutrina política diversa da democracia emergente.

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Sérgio Campos Matos
Nação

O conceito de nação sofreu uma profunda mutação entre 1750 e 1850, só compreensível no quadro das transformações históricas ocorridas na sequência das invasões francesas. Se até 1808 não foi muito usada pela elite política (preferiam-se os termos Reino e Monarquia), na resistência à ocupação francesa afirma-se pontualmente o princípio da soberania popular. Na constituição de 1822 estabelece-se o conceito de soberania da Nação e consagra-se pela primeira vez a doutrina da auto-determinação da nação e da sua anterioridade em relação a todo o direito e autoridade. A palavra adquire um lugar central no discurso político do primeiro liberalismo. Já o termo Reino perde protagonismo (se exceptuarmos a imprensa realista, contra-revolucionária). Mas no discurso político liberal o conceito de Nação, entendido como associação política ou totalidade autónoma de cidadãos ou dos portugueses no seu todo, excluía por vezes diversas categorias: os estrangeiros, os homens de facção (adeptos do Antigo Regime político) e, num certo sentido, os analfabetos. Para os miguelistas também os adversários políticos eram excluídos do todo nacional.

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Ana Catarina Araújo
Opinião Pública

Os dicionários portugueses publicados no século XVIII ignoram o sintagma «opinião pública», o seu emprego documenta-se desde o último quartel do século XVIII. No modo de comunicação instaurado pelas elites esclarecidas das Luzes, a distância, por vezes a coberto do anonimato, e a ética do compromisso com o bem público caracterizam o aparecimento dessa instância deliberativa invisível, que conquista audiência graças ao livre exercício da crítica e à publicidade sem proximidade. Durante a Guerra Peninsular e, sobretudo, depois da Revolução liberal de 1820, a luta pela independência dos diferentes órgãos de opinião ocorre no contexto da separação da sociedade civil do Estado. A esfera pública reclama o controlo do executivo e do parlamento. A defesa da liberdade de imprensa, a existência de partidos políticos, a publicidade dos debates parlamentares, o regime eleitoral e a livre manifestação de ideias constituem, portanto, tópicos fundamentais na teorização que almeida Garrett faz do novo conceito. Graças à imprensa, ao teatro, à escola e à acção de influentes associações cívicas, a força da propaganda democrática tornou-se, mais tarde, sinónimo de poder irreprimível da opinião pública.

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Fátima Sá e Melo Ferreira
Povo – povos

Neste artigo assinalam-se alguns dos principais caminhos percorridos pelo duplo termo «povo/ povos» em Portugal nas últimas décadas do século XVIII e na primeira metade do século XIX. Considerando que os seus usos políticos modernos emergem com as invasões francesas (1807 – 1811) e com a resistência que lhes foi oposta por uma parte da população portuguesa, avaliam-se as variações semânticas mais significativas que registou no quadro dos conflitos políticos decorrentes da instauração do liberalismo.

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Rui Ramos
República – republicanos

República e republicanos nem sempre significaram a mesma coisa, como se pode verificar pelas utilizações desses termos até ao século XIX. Esta indeterminação tem sido notada, a propósito desses conceitos, relativamente a várias áreas linguístico- culturais. O conceito actual de república surgiu a partir de derivas e de confrontos semânticos que podemos situar entre 1750 e 1850. O estudo do caso português parece sugerir que o termo república, utilizado a propósito de várias formas de governo entre os séculos XV e XVIII, se tornou na passagem do século XVIII para o século XIX o contrário de monarquia e sinónimo de uma forma de governo: o governo popular. Em meados do século XIX, sobretudo a partir das revoluções de 1848, o escopo semântico de república ter-se-á reduzido novamente, tendendo a designar, já não apenas uma forma de governo, mas uma fórmula política e social muito específica: a democracia secular, por vezes já socialista. Foi neste contexto, aliás, que republicano passou a significar o activista dos movimentos políticos que tinham esse tipo de regime como objectivo, enquanto o antigo termo «republico», com o sentido de cidadão exemplar, caiu em desuso.

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